sábado, 10 de novembro de 2012

Menino modelo, garoto manequim. - Allana B.


Sentado no canto da festa, disfarça-se o menino modelo. Vestindo sorrisos, marcas, tóxicos.
Pobre modelo, manequim... dos olhos dourados refletindo ilusões, dos ossos saltando no pescoço, tais como os saltos que o afastam das lembranças de uma família feliz.
Seus passos quase dançam, bailam. Entretanto, movimentos não mudam o cambalear aspirado, ou o sono proveniente de tantas pílulas.
Menino da pele pálida, dos sons mixados, das imagens turvas, da diversão plástica.
Garoto das bolhas de sabão, e bolhas de vidro, e de cristal. Bolhas e mais bolhas. Bolhas que estouram, bolhas que se partem. Bolhas coloridas, perfeitamente desenhadas.
Sentado no canto da festa. Pudera outro ver, menino, além de mim, o que se passa quando as luzes da sua passarela se apagam.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A pior parte de mim - Allana B.


Você.
A pior parte de mim tem quatro letras, duas sílabas. É oxítona.
Ela me aprisiona, encarcera entre os dedos e me tira o ar. Ela me sufoca, martiriza. Atormenta os meus sonhos insistindo no desejo sádico de brincar de jogo-da-memória.
Ela tem seus olhos, seus dentes, seu sangue. Comodista.
Controladora, rejeita todas as outras partes. Proíbe. Nenhuma é boa o bastante, nenhuma é má o bastante. Não há outras partes. Nunca para esta parte,
E por essas e outras eu a acolho em meus braços, encho de beijos e cubro antes de dormir. Eu a escolho entre tantas partes para, muitas vezes, ser a minha única.
Por ela eu escolho matar a morrer, agir a apenas observar. Por ela eu escolho revidar, responder, reviver, e reviver tanto até meu corpo implorar por uma pausa.
Quem dera voltar no tempo, onde não existia a pior parte de mim. Onde era apenas eu, bem antes de aceitar o convite preso em cima dessa parte, tolhido em uma fotografia.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O apanhador de sonhos - Allana B.

De tanto tomar café, sentia dores no estômago. E então tomava remédios.
De tanto tomar remédios, tinha insônia, e então, tomava chás.
De tanto tomar chás, dormia. E de tanto dormir, sonhava.
E de tanto que sonhava, tinha pesadelos.
Vivia vidas que não eram suas, era perseguidas por monstros - muitas vezes reais.
Certo dia, sonhou que estava em uma praia, nua, cercada por câmeras. Acordou e quis chorar. Chorou.
Outra vez, sonhou que chovia e se afogava em lama. Acordou e quis respirar. Respirou.
Ainda, sonhou que vibrava, em frequências indecifráveis, de impossíveis equalizações. Acordou e quis gritar. Gritou.
E gritou tão alto que a vizinha ouviu, a irmã ouviu, a tia ouviu, a amiga do trabalho ouviu. Preocupada, comprou um apanhador de sonhos.
"- É pra colocar em cima da cama, e não pode deixar arrebentar. Ele te tira os pesadelos, mas, se rasgar, todos eles escapam." - foi o que disse uma das tantas que ouviram.
E de tanto ter pesadelos, comprou.
Na mesma noite, dormiu. E dormiu tão bem, sem sonhos, que não quis acordar. E do tanto que não sonhou, não acordou.

-- - Allana B.


Remédios líquidos são amargos, mas servem para curar. 

Quando injetáveis, doem mais, mas curam mais rápido. 
Não há cura sem dor.
E quanto maior a dor, mais rápida a cura.