quinta-feira, 29 de março de 2012

"Eu quis o perigo e até sangrei sozinho
Entenda
Assim pude trazer você de volta pra mim
Quando descobri que é sempre só você
Que me entende do iní­cio ao fim.

E é só você que tem a cura pro meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi."

quinta-feira, 22 de março de 2012

Eletromorfose - Allana B.

[...] Mil estrelas me atravessam nessa eletromorfose. [...]

Polifases - Allana B.


Menino dos olhos de água, dos olhos de fogo, dos olhos de gelo... eu não quero ter que medir as palavras dessa vez. Eu não quero te perder nessas linhas borradas.
Lágrimas pesam como hemisférios em minhas mãos. Você não sabe como eu odeio esse momento? É a saudade que vem com estacas e punhais, pronta para te colocar no peito e abraçar firme.
Menino, solta esse porto e pega a minha mão. Prometo que te conto histórias, como as que escrevi a milhares de versos atrás e você nem soube. Só não me deixa dormir sozinha de novo. Eu tenho medo de escuro.

domingo, 11 de março de 2012

Milagres Transgênicos - Allana B.


Milagres transgênicos inundam as bancas
Mentes alienadas compram produtos
E tudo está bem.

O nacionalismo rasgando as veias
Sentir na pele o que é ser
Onde nada é.

Almas negligentes agonizam
Sedentas por ter cada vez mais
Ouro nos dentes.

Máquinas contaminam o ar
De libido e gemidos
De fumaça.


sábado, 3 de março de 2012

O homem - Allana B.

Eu poderia dizer que conheci um homem, mas estaria mentindo. Eu conheci o homem.
E o homem não tinha cabelo loiro e olhos azuis.
O homem tinha um dom, o dom de me fazer sorrir. Mas não o sorriso de muitos outros homens, que pousava em meu rosto apenas para lembrar quão doce é o gosto de sentir e, então, retirado à força e lançado ao vento para sair voando e pousar em rostos de outras mulheres.
Aliás, mulheres não. Garotas.
Sou garota... frágil, pequena, perdida entre um milhão de homens. Mas o homem era diferente. O homem trouxe esse sorriso como um presente, só meu, embrulhado em papel prateado e sem registro de duração.
O homem era inteligente, mas não como tantos homens que se vestem de branco e passam suas vidas respirando formol em laboratórios. O homem gostava de artes. O homem gostava de literatura, quadrinhos.
Certa vez, encantada com o homem, perguntei: - Por que você não namora?
O homem sorriu um sorriso maquinal e falou palavras digitadas. Um momento estranho... Vamos deixá-lo assim.
O homem era criativo. E isso me encantava. Ele tinha todas as respostas. Respostas divertidas, respostas que eu levaria horas para criar.
E ele era tão natural...
O homem tinha um tio. E mais nada. O homem tinha tudo, e meus olhos não conseguiam esconder a admiração por aquele homem.
E o homem chegou. Sem armadura, espada ou cavalo branco. O homem chegou vestindo blusa de desenho animado e em seus braços, apenas a distância aconchegante que abrigava meus medos e acalmava meus pesadelos durante a madrugada.
E o homem sorriu pra mim.
O homem trazia presentes. Não rosas, não chocolates... O homem me escrevia contos, e não contava os contos do homem, sequer deixava que os lessem. Tinha ciúmes, eram só meus. Tenho ciúmes.
Mas eu não quis o homem.
O homem trouxe medicações, mas meus ferimentos eram graves e os remédios, amargos.
O homem trouxe paciência, mas o furacão de pensamentos ainda era o meu único costume, e a paciência me fez sentir segura. E adormecer.
O homem quis me fazer voar, mas eu tive medo, então me sentei na ponta do penhasco e o vi planar.
O homem, talvez desnorteado, quis trazer tudo, quis trazer o mundo, mas eu sabia que o mundo era grande demais para suas mãos. E grande de mais pra mim, garota... e eu não quis o homem.
O homem trouxe o silêncio. E a distância na distância.
E de lá de cima do penhasco, pude observar o homem descer. E encontrar a mulher.
O homem encontrou a mulher, bonita, com cabelos ondulados e olhos azuis. E eles sorriram, e beijaram, e cozinharam. E o homem estava feliz.
E hoje os observo daqui de cima, e imagino como seria se tivesse aceitado voar naquele dia. Se não tivesse dormido, se tivesse tomado meus remédios.
E imagino que o homem não estivesse tão feliz.
E às vezes, enquanto planam, o homem e a mulher, ele me lança um olhar discreto, um sorriso amigo.
E eu retribuo, com o mesmo sorriso que ele me presenteou um dia. O sorriso que eu nunca havia recebido, o sorriso eterno, o sorriso que está sempre comigo.
Às vezes me pergunto se encontrarei um homem, um homem loiro, de olhos azuis, que me traga flores e chocolates, que tenha em mãos a espada e o escudo.
Mas o homem... ah, esse eu jamais “encontrarei”. Esse eu já conheço.

-- Allana B.

Com o tempo a gente percebe que nada é tão aberto da maneira que sempre enchergamos. Que a neve gelada também queima, que o fogo não é só vermelho ou laranja, que nele existem o azul, o amarelo. Que o céu nublado não espanta as estrelas, apenas as guarda para o momento certo de brilharem. Um dia as pessoas percebem que passos na areia são lindos papéis de parede, mas que se não forem fotografados logo, basta uma onda para que eles se vão instantaneamente. Que o mundo dá voltas, trazendo o dia para que aproveitemos o máximo e nos esqueçamos que logo a noite chegará, levando a luz embora e deixando apenas cetilhas de lembranças. Que os sentimentos não dependem de sensações físicas mas que sensações psíquicas dependem diretamente de sentimentos. Que olhos fechados podem enchergar muito além do que veem quando estão abertos. Que metamorfoses acontecem constantemente, e assim como as lagartas viram borboletas incríveis, algumas borboletas simplesmente preferem continuar lagartas. Com o tempo a gente percebe que nada nem ninguém pode determinar o seu destino, pois o caminho é percorrido por nós. As escolhas são nossas, as mudanças. Nós somos quem sentimos os cheros, os gostos, apreciamos os diversificados sabores, desde o amargo ao mais doce. Mudanças são necessárias. A vida é uma dose de adrenalina diretamente ingetada em nossas mentes, forçando-as a traçar estratégias através de intuições, exigindo que arrisque-mos cada vez mais! Lutar é preciso, e ser vitorioso é uma delícia.

Talvez - Allana B.

Comprou sorrisos das bocas belas

E roubou as flores do chão da avenida

Discos de vinil, todos tinha em mãos

Pegou carona com os Beatles no Domingo



Cruzou os milhares de profundos oceanos

Pegou as pérolas que ninguém jamais encontrara

E seus olhos cegaram-se por instantes

Tamanha beleza talvez compensasse



Mas talvez jamais deixara de ser talvez

E talvez a encontrara em outros braços

Com um “talvez não estivesse sóbria”

E talvez palavras não servissem pra nada



Colocou os pés sobre o chão frio

E se despiu da capa de herói

Não sabia que horas eram

Ou eram as horas que nada sabiam?

Conversa inútil em mesa de bar - Allana B.

E lá pelo décimo copo já não sabiam que horas eram. Ela olhava para o longe, brincando com a tampa da garrafa inconscientemente com os longos dedos finos, e ele apenas observava o vazio daqueles olhos delineados.

O que faziam ali, afinal? Sabiam que o libido não bastava, o sentimentalismo não bastava, o braço sobre os ombros não bastava. Mas ele ainda tentava - inutilmente, sabia - ver ao menos uma gota escorrer, ou qualquer outro sinal de que o gelo de todo o seu coração algum dia derreteria. Mas nada acontecia. Nada. E em meio a tantas vozes o silêncio era verdadeiro acompanhante da noite. Ele sabia, ela avisara, mas aquelas palavras eram inúteis demais para fazê-lo desistir.

A noite estava quase perdida. “Pedirei a conta”, pensou. Mas o destino age em silêncio, e alcoolizado.

A antiga melodia soava ao fundo. Ambos se olharam, mas não o suficiente para que a impedisse de voltar os olhos para o vazio e acender mais um cigarro. Ele então, em sua última tentativa, apenas comentou.

- É uma bela canção…

Ela suspirou. Tragou mais uma vez, bebeu o último gole.

- É uma bela canção.

Indignado, bufou baixo. Haveria iceberg maior que o seu coração? Quis pedir a conta, pegou o telefone para chamar um táxi.

- Realmente, é uma bela canção. - Repetiu ela, fazendo-o voltar a sua atenção àqueles olhos vazios novamente. - Mas ilusória. De fato, ilusória.

Mordeu os lábios cobertos pelos restos de batom vermelho. Ela falava, e ele não quis interromper.

- Todos os amores são intermináveis até que alguém precise lutar por ele. E quando esse momento chega, tudo o que podemos fazer é pegar as nossas coisas e ir embora.

O silêncio o cumprimentou, ele não soube o que dizer. Olhou o relógio. Discou os números.

-E o pior desse momento não é a partida, ou devolver a blusa que você usava como pijama. O pior desse momento é chegar na metade do caminho, olhar pra trás e ver que o amor era grande demais, mas não o suficiente para fazê-lo ir atrás de você.

Ele a olhava. Ficou com raiva. Quantas vezes havia dito que não cometeria os erros de outrem, que não eram a mesma pessoa? Quem entenderia o coração das mulheres? Cansou-se! Esperou tanto por palavras, mas tudo o que conseguia era sempre a mesma coisa. Quis brigar, mas a voz de sua “companheira” soou novamente.

Ela estava ao telefone.

- Eu gostaria de chamar um táxi, por favor.
E eram muitas, como em uma legião. Inúmeras crianças, com seus olhinhos pequenos e mãozinhas miúdas. Sorridentes, alegres, correndo felizes pelos corredores da velha casa. Ao acordar abraçavam seus travesseiros, agradeciam ao “papai do céu” por mais uma noite de sono tranquila em suas camas confortáveis e não demorava muito para que levantassem e corressem descontroladamente por toda a casa. Algumas vezes se machucavam, eram apenas crianças, e cabia aos responsáveis levá-las ao posto de saúde para tomar os tão temidos pontos. E naquela hora doía, mas eles estavam sempre lá, cuidando delas, fazendo de tudo para mandar aquela dor embora. E elas chegavam a casa, assim, no colo de alguém, meio que sem jeito, com o dedo na boca. Minutos se passavam e elas já estavam prontas para percorrer todo o caminho novamente. Quando se cansavam, deitavam-se na grama verde para desfrutar do belo pôr-do-sol de muitos entardeceres de verão. Mas o relógio na parede da sala não congelara como o desejado, e com o tempo, despertar nem sempre era tão bom e a corrida contra o tempo se tornava cada vez mais difícil. Ainda assim, correram, correram e caíram, eram apenas crianças. Os seus olhinhos procuraram aqueles rostos mas não encontraram ninguém lá e as suas mãozinhas não foram capazes de suportar o peso dos próprios corpos. E elas se cansaram de estar alí… lá fora chovia, estava frio, não havia pôr-do-sol ou grama verde, não mais. Naquele momento, tudo o que havia era o vazio, o espaço perdido de suas mentes, o qual pela primeira vez elas não queriam alcançar. Aquelas crianças dormiram na rua aquela noite.

Marilia - Allana B.

E há ainda quem se lembre daquela velha história, daquelas estranhas palavras. Talvez fosse mais fácil se não houvesse morrido aos 27, quase 28.

”- É uma pena… tão nova…” - Ouvia-se dos vizinhos no triste velório. E pela sua casa ainda se encontravam os restos da cocaína que ninguém se atreveu a tirar.

Overdose. Modo triste de se morrer.

Fazia planos, sabe? Havia decidido entrar para a faculdade, voltar a estudar ( por mais que houvesse decidido isso com 27), porém, decisões imediatas não alteram anos de passado. E cá entre nós, nunca tivera tanta vontade assim.

E era assim que andava. Sem vontade, sem nada. Se passavam por ela, travava os passos, caminhava com o olhar. Os olhos negros, as olheiras profundas, o contorno mórbido.

Era ela, reflexo das noites de sábado, dos cigarros, dos desejos nunca realizados. Era o canto do silêncio, o paradoxo, a sinestesia. E era porque queria, porque pactuava constantemente com o destino, com a sua realidade.

Era assim, sempre foi assim. A adolescência lhe fizera assim. O fim do colegial, a sua vitória! Pelo diploma? Jamais. Pela distância. Pela solidão. Finalmente haviam acabado as manhãs em que trancava-se no banheiro e permanecia alí com as suas melhores amigas: As pedras. E lembrava-se perfeitamente! Aos 15, primeira droga. Primeira decepção, primeira transa, primeiro amor, primeiro beijo, primeiro garoto. Fabrício. Não sabia o que chamara a sua atenção. Talvez fosse a independência, os cabelos negros, o jeito de não se importar com nada. E bastou lhe apresentar as pedras, para que sorrisse e dissesse: - Eu sou sua.

15 anos… dizem que é o ano de transição de menina para mulher. Para ela, era apenas mais um ano qualquer. Já era mulher, aprendera cedo no orfanato onde via as famílias se formarem, onde via seus amigos partirem para uma vida melhor, onde via que sonhos não eram reais. Não para ela. E conto-lhes um segredo! No fundo, no fundo, era apenas chama de esperança, visto que já sabia disso desde os 6, quando seus pais morreram no acidente.

Foi rejeitada pela família. Ninguém a quis. E era tão feliz… Lembrava todos os dias da sua mãe lhe abraçando, contando histórias, destraindo-a enquanto esperava a embriaguez do seu pai amenizar. Lembrava da dor que ela sentia, de ver mãe lançada ao chão, corpo ferido, e do sorriso vitorioso de seu pai ao bater nela. E mesmo assim, aquele era o seu momento mais feliz que recordava. Mas, definitivamente, havia outro, outro que não lembrava mas, se o fizesse, seria o mais feliz.

Aquele momento glorioso chamava-se vida. Quando chorara, quando fora colocada nos braços de sua mãe pela primeira vez. Era verão, duas e meia da tarde. O sol brilhava, o céu estava límpido. 5 de Janeiro, nascia Marilia, dona do mundo, dona de si.

Lugares - Allana B.

Quem dera pudéssemos, lúcidos, tratar a dor da vida como mera inspiração. Pobres de nós, poetas. Quem dera a vida nos desse festas inacabáveis, sonhos intermináveis, amores inabaláveis. Quem dera sussurros maliciosos, suspiros meticulosos, desejos perigosos. Quem dera crianças nos parques, amigos nos bares, paisagens, lugares. Quem dera sorrisos sinceros, abraços eternos, auxílios externos. Quem dera… Quem dera corridas vencidas, sem mais despedidas, sem vidas sofridas. Quem dera um amor pra vida inteira, uma chuva passageira, uma rima sincera, descontraída, verdadeira.

Irracional - Allana B.

Irracional foi pensar que você estaria aqui de outra forma se não passando entre minhas veias, tornando o ar cada vez mais espesso, penetrando impiedosamente em meus pulmões. E eu, desvitalizada, sempre privando tais ruídos sigilosos da tortura exibicionista que se nomeia, autonoma e autoritáriamente, vida. E há ainda momentos em que, ingênua, relato ao silêncio sobre como o sentir falta tem justificado a minha falta do sentir. E ele responde. Exatamente. Assim.

-- Allana B.

Eu sei que minhas palavras estão fracas, meu amor, mas trago através delas tudo o que eu sinto, e tudo o que eu gostaria que você soubesse. Como por exemplo, que os meus olhos procuram os seus todas as noites nesse quarto escuro, que minhas mãos procuram as suas enquanto caminho por essas ruas desertas, que meu sorriso procura o seu para ter o mínimo de sinceridade. Que eu amo o jeito que o seu cabelo se torna mais claro quando você está no sol, o jeito que você coloca a sua franja atrás da orelha e as suas reclamações sobre o tal volume nos lados. Que a cor dos seus olhos é a mais bela obra prima que nenhum artista seria capaz de recriar, e o jeito que você me olha quando o silêncio nos envolve faz o meu corpo todo estremecer, que eu amo quando eles percorrem as ruas que passam através da janela do ônibus, ou quando apenas se fecham quando nossos lábios se tocam. Que eu admiro inexplicavelmente a simetria da sua boca, o seu gosto, o jeito dela de ser minha. Que eu venero o seu rosto desenhado, cada traço, cada ponto. Que quando você me toca eu desejo com todas as minhas forças apenas uma estrela cadente, capaz de fazer o tempo parar, que quando você o faz, é como se fossem injetadas diversas doses de adrenalina de uma vez só direto nas minhas veias, e que eu dificilmente sou capaz de me controlar. Que eu me sinto absurdamente feliz quando você me abraça, pois é como se nada pudesse me afetar. Que o jeito que você segura a minha mão, mesmo quando não gosta, me faz sentir estranhamente orgulhosa por ter você comigo. Que eu aprecio, quando eu durmo ao seu lado, o jeito que você me faz sentir segura, em paz, e que eu adoro o jeito que você me acorda. Eu quero que você saiba que eu venero você, e venero estar com você. Eu venero cada gesto, cada palavra sincera, cada sussurro, eu venero exatamente tudo! E apesar de toda a sinestesia, não há nada que eu queira mudar, pois você é o mais próximo da perfeição que eu nunca seria capaz de alcançar. Você sabe exatamente como me fazer todos os dias a mulher mais feliz do mundo, me fazer questionar se sou mesmo merecedora de ter você ao meu lado, e que eu poderia agradecer a cada segundo até eu morrer, ainda assim não seria suficiente. Não se explica o inexplicável, e eu te amo, sabia?

-- Allana B.

E se guardássemos todos esses momentos em pequenas caixas, perfeitamente embaladas, talvez entendêssemos o motivo pelo qual a as ruas no outono se cobrem de folhas. Eu vejo que tudo fica mais diferente a cada instante, como as rugas em nossas peles, como a inocência que se perdeu entre tantos motivos para estarmos vivos. Se lutássemos por algo além do que nos espera no outro lado das fronteiras, talvez não precisássemos de olhos roubados para revelar a verdade. E se parássemos para prestar atenção, qualquer quebrar de ondas noturno se faria sinfonia, e em braços fraternos nós repousaríamos em paz.

-- Allana B.

“E você canta. Canta para quebrar o corpo e esfaquear o silêncio com o frio dessas palavras em chamas.”

Rebobinar - Allana B.

O mesmo olhar, o mesmo modo de andar. O mesmo sorriso plástico.

Serpenteando vagarosamente entre as mesas, o mesmo cheiro estúpido de café.

Ora, que ironia, a mesma chuva na janela. A mesma conversa fiada.

As mesmas perguntas tolas, como se já não soubesse de cor todas as respostas.

O gesticular, o tom convidativo, os mesmos.

A mesma gentileza insuportável, a mesma carona desnecessária.

As mesmas cores e carros e luzes e vultos e ilusões correndo por trás do vidro molhado.

A mesma música enjoativa. Os mesmos desejos tediosos.

O mesmo apartamento.

Sem convites, as mesmas negações.

O mesmo clique de porta se abrindo, a mesma pressão no braço.

o mesmo corpo colidindo com a parede.

Não dessa vez. O mesmo não.

O mesmo rosto virando, o mesmo empurrão.

As mesmas lágrimas. As mesmas vãs negações.

Os mesmos toques terremotoriais, as mesmas carícias roubadas.

A mesma boca fria, o mesmo hálito doente.

o mesmo revirar de olhos, o mesmo subir de escadas.

A mesma sala apagada, as luzes da cidade atravessando as janelas e abraçando o chão frio.



…………………..

…….

……………

………..

O mesmo despertar. O mesmo arrependimento.

O mesmo nojo, a mesma cama vazia.

O mesmo ciclo.

De novo.

De novo.

E de novo.