sábado, 3 de março de 2012

O homem - Allana B.

Eu poderia dizer que conheci um homem, mas estaria mentindo. Eu conheci o homem.
E o homem não tinha cabelo loiro e olhos azuis.
O homem tinha um dom, o dom de me fazer sorrir. Mas não o sorriso de muitos outros homens, que pousava em meu rosto apenas para lembrar quão doce é o gosto de sentir e, então, retirado à força e lançado ao vento para sair voando e pousar em rostos de outras mulheres.
Aliás, mulheres não. Garotas.
Sou garota... frágil, pequena, perdida entre um milhão de homens. Mas o homem era diferente. O homem trouxe esse sorriso como um presente, só meu, embrulhado em papel prateado e sem registro de duração.
O homem era inteligente, mas não como tantos homens que se vestem de branco e passam suas vidas respirando formol em laboratórios. O homem gostava de artes. O homem gostava de literatura, quadrinhos.
Certa vez, encantada com o homem, perguntei: - Por que você não namora?
O homem sorriu um sorriso maquinal e falou palavras digitadas. Um momento estranho... Vamos deixá-lo assim.
O homem era criativo. E isso me encantava. Ele tinha todas as respostas. Respostas divertidas, respostas que eu levaria horas para criar.
E ele era tão natural...
O homem tinha um tio. E mais nada. O homem tinha tudo, e meus olhos não conseguiam esconder a admiração por aquele homem.
E o homem chegou. Sem armadura, espada ou cavalo branco. O homem chegou vestindo blusa de desenho animado e em seus braços, apenas a distância aconchegante que abrigava meus medos e acalmava meus pesadelos durante a madrugada.
E o homem sorriu pra mim.
O homem trazia presentes. Não rosas, não chocolates... O homem me escrevia contos, e não contava os contos do homem, sequer deixava que os lessem. Tinha ciúmes, eram só meus. Tenho ciúmes.
Mas eu não quis o homem.
O homem trouxe medicações, mas meus ferimentos eram graves e os remédios, amargos.
O homem trouxe paciência, mas o furacão de pensamentos ainda era o meu único costume, e a paciência me fez sentir segura. E adormecer.
O homem quis me fazer voar, mas eu tive medo, então me sentei na ponta do penhasco e o vi planar.
O homem, talvez desnorteado, quis trazer tudo, quis trazer o mundo, mas eu sabia que o mundo era grande demais para suas mãos. E grande de mais pra mim, garota... e eu não quis o homem.
O homem trouxe o silêncio. E a distância na distância.
E de lá de cima do penhasco, pude observar o homem descer. E encontrar a mulher.
O homem encontrou a mulher, bonita, com cabelos ondulados e olhos azuis. E eles sorriram, e beijaram, e cozinharam. E o homem estava feliz.
E hoje os observo daqui de cima, e imagino como seria se tivesse aceitado voar naquele dia. Se não tivesse dormido, se tivesse tomado meus remédios.
E imagino que o homem não estivesse tão feliz.
E às vezes, enquanto planam, o homem e a mulher, ele me lança um olhar discreto, um sorriso amigo.
E eu retribuo, com o mesmo sorriso que ele me presenteou um dia. O sorriso que eu nunca havia recebido, o sorriso eterno, o sorriso que está sempre comigo.
Às vezes me pergunto se encontrarei um homem, um homem loiro, de olhos azuis, que me traga flores e chocolates, que tenha em mãos a espada e o escudo.
Mas o homem... ah, esse eu jamais “encontrarei”. Esse eu já conheço.

Nenhum comentário:

Postar um comentário