sábado, 3 de março de 2012

Marilia - Allana B.

E há ainda quem se lembre daquela velha história, daquelas estranhas palavras. Talvez fosse mais fácil se não houvesse morrido aos 27, quase 28.

”- É uma pena… tão nova…” - Ouvia-se dos vizinhos no triste velório. E pela sua casa ainda se encontravam os restos da cocaína que ninguém se atreveu a tirar.

Overdose. Modo triste de se morrer.

Fazia planos, sabe? Havia decidido entrar para a faculdade, voltar a estudar ( por mais que houvesse decidido isso com 27), porém, decisões imediatas não alteram anos de passado. E cá entre nós, nunca tivera tanta vontade assim.

E era assim que andava. Sem vontade, sem nada. Se passavam por ela, travava os passos, caminhava com o olhar. Os olhos negros, as olheiras profundas, o contorno mórbido.

Era ela, reflexo das noites de sábado, dos cigarros, dos desejos nunca realizados. Era o canto do silêncio, o paradoxo, a sinestesia. E era porque queria, porque pactuava constantemente com o destino, com a sua realidade.

Era assim, sempre foi assim. A adolescência lhe fizera assim. O fim do colegial, a sua vitória! Pelo diploma? Jamais. Pela distância. Pela solidão. Finalmente haviam acabado as manhãs em que trancava-se no banheiro e permanecia alí com as suas melhores amigas: As pedras. E lembrava-se perfeitamente! Aos 15, primeira droga. Primeira decepção, primeira transa, primeiro amor, primeiro beijo, primeiro garoto. Fabrício. Não sabia o que chamara a sua atenção. Talvez fosse a independência, os cabelos negros, o jeito de não se importar com nada. E bastou lhe apresentar as pedras, para que sorrisse e dissesse: - Eu sou sua.

15 anos… dizem que é o ano de transição de menina para mulher. Para ela, era apenas mais um ano qualquer. Já era mulher, aprendera cedo no orfanato onde via as famílias se formarem, onde via seus amigos partirem para uma vida melhor, onde via que sonhos não eram reais. Não para ela. E conto-lhes um segredo! No fundo, no fundo, era apenas chama de esperança, visto que já sabia disso desde os 6, quando seus pais morreram no acidente.

Foi rejeitada pela família. Ninguém a quis. E era tão feliz… Lembrava todos os dias da sua mãe lhe abraçando, contando histórias, destraindo-a enquanto esperava a embriaguez do seu pai amenizar. Lembrava da dor que ela sentia, de ver mãe lançada ao chão, corpo ferido, e do sorriso vitorioso de seu pai ao bater nela. E mesmo assim, aquele era o seu momento mais feliz que recordava. Mas, definitivamente, havia outro, outro que não lembrava mas, se o fizesse, seria o mais feliz.

Aquele momento glorioso chamava-se vida. Quando chorara, quando fora colocada nos braços de sua mãe pela primeira vez. Era verão, duas e meia da tarde. O sol brilhava, o céu estava límpido. 5 de Janeiro, nascia Marilia, dona do mundo, dona de si.

Nenhum comentário:

Postar um comentário